sexta-feira, 30 de novembro de 2012

LIVROS E LUZES


O display iluminado que destaca "Sobrevoando Babel" em três Livrarias da Travessa no Rio, me fez pensar no  protagonista de "Em Busca do Tempo Perdido". Acho que ainda não surtei, mas não posso garantir que juntar pontos tão distantes não venha a ser diagnosticado mais tarde como algum distúrbio psicológico, quem sabe até provocado pela leitura, esse perigoso hábito que afetou radicalmente a vida de Don Quixote e tantas outras figuras ilustres que agora não vêm ao caso.
O fato é que, desde muito jovem, o personagem de Proust caminha sob a luz dos livros (como lê aquele menino!), e se projeta para o livro que, sonhando escrever, sem se dar conta, já escreve. Caminhar é o verbo perfeito em qualquer narrativa, né? É o que fazemos quando seguimos os vários cursos que nos preparam pra seguir cursando, desenvolvemos raciocínios, percorremos páginas ou simplesmente atravessamos os dias de nossas vidas. Viver é caminhar, já dizia o para-choque de um caminhão. Mesmo aparentemente parados, seguimos em frente no ritmo imposto pelo relógio que, mancomunado com as batidas do coração, impulsiona a imaginação até quando dormimos. E caminhar no escuro não costuma ser uma boa ideia. Daí, de vaga-lume a holofote, toda lanterna é farol.
Sob os efeitos do período sabático que ainda desfruto, "Em Busca do Tempo Perdido" parece um título feito de encomenda. Seria minha definição do que tento fazer com o domínio de agenda que hoje me privilegia. Talvez por isso, minha cabeça viaje tão fácil de Babel a Combray, de minhas modestas/rápidas 207 páginas de sobrevoo às quase 3 mil da histórica obra proustiana, cujos lentos e ricos passos partem pelo Caminho de Swann em direção ao grande sentido das pequenas coisas.
Viu só? Um display iluminado, coisa pequena. Dele partiu todo esse papo cabeçudo, se espalhando como luz... deixa pra lá. Não, acho que ainda não surtei, estou apenas com mais tempo para observar o que me rodeia e elaborar alguns pensamentos, o que não é necessariamente positivo, dependendo do que enxergamos e do caminho escolhido para a elaboração. Mas que o danado do display ficou bonito, ah, isso ficou!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

SOBREVOANDO O QUE SE ESCONDE EM BABEL.



Gustave Flaubert diz que "um autor em sua obra deve ser como Deus no universo, presente em toda parte e visível em parte alguma". B. S. Johnson, através da mãe de sua personagem Christie, diz que "Deus vai inventando as coisas à medida que avança, como alguns romancistas".
Muitos já repetiram que escrever é brincar de Deus. E já tiveram que responder milhões de vezes às clássicas perguntas: São seus os sentimentos e experiências dos personagens de seu livro? Em quem você se inspirou para criar o personagem x? Aquele personagem ali é você, né?
Engraçado. E ao mesmo tempo profundo. Ninguém precisa escrever sobre o que si mesmo. Livros não são obras confessionais, embora alguns excepcional e assumidamente o sejam. Mas não há dúvidas de que todo mundo só escreve com o que tem, de observações, reflexões, crenças, opiniões, cultura, estoque vivencial.
Quem me lê em "O Deus da Criação", "E. O Atirador de Ideias" e no recém-lançado "Sobrevoando Babel", pode ter a impressão de estar lendo três autores diferentes, ou confundir minha variação temática e narrativa com indefinição de personalidade. Talvez queira tentar me conhecer, mais até do que eu mesmo me conheço, sem se dar conta de que a grande viagem da existência é o processo de auto-descoberta, e de que lendo e escrevendo exercitamos nossa compreensão do mundo, de nós mesmos, de nossa capacidade de lidar com dificuldades, ultrapassar obstáculos, aceitar o outro e conviver harmoniosamente.
Do pouco que li e ouvi do tanto que foi escrito e dito sobre o trabalho criativo/literário, muita coisa marcou e ficou (tenho ainda tanto a aprender!), mas o que se destacou até agora foram duas dicas de Ray Bradbury: "Obliquidade é tudo" e "Sempre haverá problemas. Deus seja louvado por isso. E soluções. Deus seja louvado por isso." Um outro ângulo de observação do assunto. Uma outra forma de inserir Deus na história. E, por tabela, a deliciosa confirmação de que o dom de criar (concedido a todas as pessoas) é a prova mais eloquente de nossa herança divina.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

É DISSO QUE SOBREVOANDO BABEL TRATA.



A sequência de títulos dos comentários sobre livros mostrados na edição de novembro da "Poder" parece mensagem cifrada: PESSOAS. SEM PAZ. GLOBAL. FANTÁSTICO. POP.
Quando soube que havia uma nota sobre meu livro na revista de Joyce Pascowitch, tive duas reações positivas imediatas. A primeira, pelo prestígio e qualidade da publicação; a segunda, pela adequação do título "Poder" à temática de Sobrevoando Babel.




Gostei muito da nota, gostei muito de vê-la numa revista sob medida para meu livro, e achei FANTÁSTICO ter na mesma página PESSOAS SEM PAZ SOBREVOANDO BABEL (GLOBAL), frase que resumiria bem o contexto da obra. Faltou apenas encaixar a última palavra, até porque a última palavra pertence ao leitor. Mas que eu tentei uma narrativa POP, garanto que tentei (rssss).

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A IRONIA FINA DO MR. LARANJA MECÂNICA


Anthony Burgess brinca com a genialidade. Atribui o sucesso do seu mais famoso livro, por exemplo,  à adaptação cinematográfica dirigida por Stanley Kubrick, a quem não poupa elogios. Mistura de humildade com pés no chão, em tempos de maior excitação com telas do que com páginas.
Num ensaio de 1973 (e atualíssimo) recentemente publicado pelo Estadão, seu parágrafo inicial é um dos melhores exemplos de ironia auto-depreciativa que conheço. Copiei de lá pra destacar aqui:

"Sou, por ofício, um romancista. Acredito tratar-se de um ofício inofensivo, ainda que não venha a ser considerado respeitável por alguns. Romancistas colocam palavras vulgares na boca de seus personagens e os descrevem fornicando e fazendo necessidades. Além disso, não é um ofício útil, como o de um carpinteiro ou de um confeiteiro. O romancista faz o tempo passar para você entre uma ação útil e outra; ajuda a preencher os buracos que surgem na árdua trama da existência. É um mero recreador, um tipo de palhaço. Ele faz mímica e gestos grotescos; é patético ou cômico e, às vezes, os dois; ele faz malabarismo com palavras, como se estas fossem bolas coloridas."



sábado, 3 de novembro de 2012

DE REPENTE, VEM UM VENTO E...


O poeta Claufe Rodrigues não se inspirou em Sandy, mas bem que podia. 
Escreveu seus versos antes da Frankenstorm assombrar a Costa Leste dos Estados Unidos, participante indesejada de um Halloween sem trick or treat. Escreveu com doçura e bom humor, certamente sem levar em conta o lado sombrio da natureza.

Lembrei-me dele depois de voltar de Nova York, susto passado, banho tomado, sono reconciliado, ideias saindo da toca pós-vendaval. “Vejo beleza em tudo o que vejo, porque sou poeta e me alimento do que é belo”, diz Claufe, e segue:

Ante meus olhos
Baleias viram sereias
Sirenes tocam sinos.
Tenho a alma de um menino
Que ainda está para nascer.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê…
(…)
Vejo beleza nas ruas secundárias,
Mais do que nas avenidas principais.
Vejo beleza nos velhos caminhando nas praças,
Nas meninas comendo pizza nos shoppings,
Até no motorista que avança os sinais,
Enquanto os pedestres passam apressados,
Prestes a enlouquecer.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê...
Vejo beleza no mínimo e no máximo,
No desperdício e no básico,
No popular e no clássico,
Na música e no barulho,
No vício e na virtude.
Vejo beleza até quando não vejo,
Quando beleza é só o desejo de ver.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê...

Numa metrópole dominada pela trilha sonora das sirenes, com a TV acompanhando cada passo e cada rastro deixado pelo monstro, com gente vagando pelas ruas em busca do que comprar, ou impedida de ir e vir pelo transporte que não há, falta quase tudo, mas permanece a beleza, o sentimento coletivo e a solidariedade que ventos não conseguem levar. E quando, no meio da tempestade, percebemos que já não somos donos nem mesmo do nosso tempo, de repente vem a poesia e eeeê. Estamos salvos.