quinta-feira, 6 de junho de 2013

PLATÔNICO. Minha pequena participação no livro de João Renha sobre Washington Olivetto.






Final dos anos 80. Lembro que era manhã, fazia sol e estávamos na fase pós-resultado do Festival de Cannes, sábado ou domingo, quando todos relaxam (exceto os estressados crônicos), preparando bagagens e espírito pra voltar ao Brasil ou esticar viagem pela Europa. Éramos cerca de uma dúzia de brasileiros recém-esbarrados na Croisette e decididos a tomar um café, Perrier ou refrigerante, mais pelo pretexto pra bater um papo do que por real necessidade de matar a sede ou jogar cafeína extra no sangue.
Ocupamos duas mesas no terraço do Carlton e adicionamos outras  cadeiras ao redor, incrementando o ambiente chique do hotel com um jeitão de boteco. Mais do que conversar, ríamos de montão, e alto, numa época em que nem se sonhava que o Brasil chegaria à invejável posição internacional que ostenta hoje. Não creio que tenham nos percebido como latinos inconvenientes, talvez um pouco excêntricos, e certamente muito divertidos. Brincando sem maiores pretensões, contagiamos a solenidade clássica daquele lugar, e os frequentadores pareciam gratos por isso.
Quem lê esse início de descrição pode imaginar que a palavra circulava com fluidez entre nós, sendo distribuída em fatias de tempo equivalentes pelos integrantes do grupo. Nada disso. Havia um personagem que concentrava as atenções, transformando todos os demais em tietes coadjuvantes. Tudo o que ele dizia, independente do fosse, se tornava mais interessante e mais engraçado, só porque tinha sido dito por ele. Salvo honrosas exceções, apenas a voz dele era ouvida, o que não significava nada além de sua natural capacidade de contar bem as histórias de seu inesgotável repertório.
Na mesa vizinha, um grupo de senhoras turistas ria junto com a gente mesmo sem entender nada de português, pura osmose. Quando me levantei pra ir ao toilette, uma delas me abordou, perguntando se aquele homem que nos entretia era um artista. Na verdade era. Mas preferi explicar da maneira mais racional, prática e leiga que me ocorreu: “Não, senhora. Somos todos publicitários brasileiros, ele é o mais famoso do país, e um dos mais premiados do mundo. Pra nós, é uma espécie de popstar.”
Festivaleiro de primeira viagem, participar daquele momento fechava minha semana na Côte D’Azur com chave de ouro. O sujeito era meu ídolo. Só o conhecia de palco e júris, vendo-o passar o rodo em tudo que era troféu, medalha e diploma. E logo na minha estreia, imagina só, eu havia assistido duas categorias inteiras de filmes ao lado dele, com direito a troca de impressões, informações de bastidores e coisas do gênero. Muita sorte começar daquele jeito.

Relembrando a cena agora, tomo um susto ao enxergar ali alguém que parece não combinar com o universo publicitário. Refiro-me a Platão.

Calma!, não estou surtando. Raciocine comigo:

a) Platão era um grande mestre frequentemente cercado de seguidores ávidos por alguma fração do seu conhecimento, certo? Bem parecido com o que vivíamos ao redor daquela e sabe-se lá de quantas outras mesas ao longo da carreira do Washington (É a primeira vez que o nome dele aparece neste texto. Obviamente desnecessário, mas ajudou no ritmo da frase).

b) Platão desenvolveu a Teoria das Ideias. Sem pretensões acadêmicas, o fenômeno W.O. no mercado publicitário brasileiro alterou significativamente a vida dos profissionais de criação e abriu os olhos dos anunciantes para o valor de nossas ideias. Se uma teoria a respeito não chegou a ser escrita, não tenho dúvidas de que na prática a coisa aconteceu de forma tão convincente que dispensou o blá-blá-blá teórico.

c) Platão e Washington, cada um a seu tempo e jeito, foram muito próximos de Sócrates. A diferença, em prejuízo de Platão, é que o Sócrates dele não teve nenhuma influência na histórica formulação da Democracia Corinthiana.

Ok, talvez tenha viajado demais. Na verdade, o principal motivo que me fez embarcar nesse tema platônico foi algo bem menos cabeçudo do que a explicação costurada nos três tópicos anteriores. Indo direto ao ponto: nunca trabalhei com ele, sempre o admirei à distância e, mesmo correndo por fora e observando de longe, aprendi um bocado com o cara. Simplinho assim.


Daquele evento no Carlton em diante, estive com o Washington em diversas ocasiões, mas nunca cheguei a comentar o efeito Valisère que a primeira risadaria olivettiana à francesa produziu em mim. Nossa permanência no café do hotel não chegou a duas horas, mas foi mais do que suficiente. Como já dizia Platão, “você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em um ano de conversa”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário