segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

TOTALMENTE A FAVOR DE SER CONTRA.

Todo mundo tem um lado esquerdo, um lado direito, e uma cabeça em posição equidistante das extremidades. Dentro da cabeça tem um cérebro, cada vez menos usado. Fora dela tem um rosto, que serve para aparecer em selfies.
De uns tempos pra cá, a humanidade resolveu avançar para trás e adquirimos expertise instantâneo para emitir opiniões incontestáveis a respeito de qualquer assunto. Questões religiosas que remontam ao Antigo Testamento passaram a determinar os grandes litígios planetários, pequenas charges de humor puseram a Europa em rota de colisão com o mundo árabe, questões políticas se transformaram em brigas de foice entre cegos, chutamos o balde das conquistas civilizatórias, reduzimos a limites bizarros nossa capacidade de debater sem bater. Como as reservas hidrícas de São Paulo e Rio, ressecamos, e estamos nos lixando para a perspectiva de morrer de sede daqui a pouco.
Escrevo este texto no dia seguinte à execução de um brasileiro na Indonésia, e observei a estranha dificuldade das pessoas serem contra a pena de morte imposta a esse homem, sem que isso signifique serem favoráveis ao tráfico de drogas que ele praticava, ou ao uso político oportunista desse fato pelo governo brasileiro, tão ávido por alguma questão que desvie o foco das intermináveis lambanças protagonizadas por seus representantes.
Isso quando ainda convalescíamos do brutal ataque ao Charlie Hebdo, cujo horror praticamente obrigou o mundo a gostar do trabalho que as vítimas produziam. E ainda juntávamos os caquinhos das eleições, que reduziram o Brasil a um racha entre petralhas e coxinhas.
Bastou a tecnologia possibilitar a manifestação de todos através das redes sociais para que se instalasse um estéril maniqueísmo worldwide a nos impossibilitar o exercício da inteligência.

Por isso, depois de meio ano sem postar nada em meu blog, aqui estou para esclarecer, a quem interessar possa, que:

- Sou flamenguista, mas fico revoltado e envergonhado quando a torcida do meu time se comporta mal.

- Sou brasileiro, mas critico meus compatriotas que falam alto, sujam a rua, não respeitam a sinalização, votam irresponsavelmente, pagam mico quando viajam, e acham que tudo se resolve com jeitinho.

- Sou contra qualquer violência, abomino o terrorismo e defendo ferrenhamente a liberdade de expressão, mas não vejo graça no Charlie Hebdo que, pra mim, pratica um humor tolo, agressivo e de extremo mau gosto.

- Sou contra as drogas e detesto traficantes, mas antes disso respeito a vida, o que me faz encarar a pena de morte simplesmente como barbárie institucionalizada.

- Sou católico, reconheço um monte de falhas na Igreja, curto muitíssimo o Papa Francisco, respeito todas as religiões. E não consigo admitir que os extremistas islâmicos que combatem a educação feminina, atacam escolas, sequestram adolescentes, degolam reféns, matam gente a torto e a direito pelo mundo afora, sejam religiosos de verdade. Porque a selvageria deles contradiz os princípios básicos da própria religiosidade.

- Uso "mas" em minhas tomadas de posição, não para disfarçar meu pertencimento ao lado oposto dos que espumam contra essa singela adversativa. Uso porque o "mas" ilumina outros aspectos que os obcecados se recusam a enxergar. Uso porque gosto e porque quero.

Trocando em miúdos, não sou tão diferente assim da maioria das pessoas. Apenas não gosto da sensação de ser intimidado por tsunamis que se julgam detentoras da verdade. E considero fundamental que todas as portas e janelas permaneçam abertas, para que o oxigênio circule e para que possamos gritar quando nos der na telha: "Sim, eu posso não gostar".