Primeiro movimento: centenas de mariachis andando pelo shopping,
tocando e cantando a plenos pulmões.
Os corredores ficaram apertados e o resultado acústico era
de perfurar tímpanos blindados.
Entulhadas nas lojas, as pessoas não conseguiam comprar. Os lojistas se
assustaram, as instalações não comportavam tanta gente e tanto
barulho ao mesmo tempo. Intranquilidade geral.
Expulsos os mariachis e declarada a indesejabilidade de sua
presença massiva, a Embaixada do México logo se manifestou, considerando que
seu país estava sendo vítima de discriminação, o que seria imediatamente
denunciado à ONU.
À indignação diplomática juntaram-se os Sindicatos dos
Cantores Folclóricos de Língua Espanhola e dos Fabricantes de Sombreros que, em
frente aos centros de compras, passaram a gritar palavras de ordem, invocar a memória
de Emiliano Zapata, e chorar dramaticamente, numa performance digna dos
novelões produzidos em sua terra.
Representantes do Governo fizeram questão de prestar
solidariedade aos cantores rejeitados, alguns deixando bem claro que achavam
absurda a proibição da cantoria, e frisando que aquilo era coisa de elitistas,
autoritários, direitistas, reacionários e... (na falta de outros adjetivos nos
manuais cubanos que consultavam) racistas.
Quando os praticantes de lucha apareceram para engrossar os
protestos com suas famosas máscaras e malhas justíssimas, encontraram-se com
centenas de tenores que, envergando casacas e suando em bicas, cantavam "O
Sole Mio" a capela. Temerosos por criar novo incidente, agora com a
Itália, advogados dos shoppings acharam melhor consultar os organismos
internacionais antes de pleitear qualquer outra proibição. Infeliz decisão.
O breve intervalo de consulta foi suficiente para que multidões de monges budistas e dançarinos cossacos se mobilizassem pelas redes sociais para fazer seus passeios
pelos shoppings, todos apoiados por veementes oportunistas de variadas origens.
Sem conseguir vender, as lojas foram cedendo espaço a
comitês eleitorais e áreas de concentração destinadas a múltiplos rolezantes.
Foi aí que a procissão de Santo Apolinário tomou corpo na praça de alimentação,
com milhares de fiéis empunhando velas, e um andor enganchado no balcão do McDonald's.
Só assim começou a ser considerada a hipótese de que alguma coisa estava fora do lugar.
(foto buscada no Google)
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