sábado, 3 de novembro de 2012

DE REPENTE, VEM UM VENTO E...


O poeta Claufe Rodrigues não se inspirou em Sandy, mas bem que podia. 
Escreveu seus versos antes da Frankenstorm assombrar a Costa Leste dos Estados Unidos, participante indesejada de um Halloween sem trick or treat. Escreveu com doçura e bom humor, certamente sem levar em conta o lado sombrio da natureza.

Lembrei-me dele depois de voltar de Nova York, susto passado, banho tomado, sono reconciliado, ideias saindo da toca pós-vendaval. “Vejo beleza em tudo o que vejo, porque sou poeta e me alimento do que é belo”, diz Claufe, e segue:

Ante meus olhos
Baleias viram sereias
Sirenes tocam sinos.
Tenho a alma de um menino
Que ainda está para nascer.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê…
(…)
Vejo beleza nas ruas secundárias,
Mais do que nas avenidas principais.
Vejo beleza nos velhos caminhando nas praças,
Nas meninas comendo pizza nos shoppings,
Até no motorista que avança os sinais,
Enquanto os pedestres passam apressados,
Prestes a enlouquecer.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê...
Vejo beleza no mínimo e no máximo,
No desperdício e no básico,
No popular e no clássico,
Na música e no barulho,
No vício e na virtude.
Vejo beleza até quando não vejo,
Quando beleza é só o desejo de ver.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê...

Numa metrópole dominada pela trilha sonora das sirenes, com a TV acompanhando cada passo e cada rastro deixado pelo monstro, com gente vagando pelas ruas em busca do que comprar, ou impedida de ir e vir pelo transporte que não há, falta quase tudo, mas permanece a beleza, o sentimento coletivo e a solidariedade que ventos não conseguem levar. E quando, no meio da tempestade, percebemos que já não somos donos nem mesmo do nosso tempo, de repente vem a poesia e eeeê. Estamos salvos.

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